sexta-feira, 7 de maio de 2010

Heath Ledger assombra O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus


“O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus” chega aos cinemas envolto em expectativas e morbidez. Este é o último filme estrelado por Heath Ledger, que faleceu antes de concluir suas filmagens. Se “Batman – o Cavaleiro Das Trevas” (que lhe rendeu um raro Oscar póstumo) gerou uma curiosidade mórbida coletiva – o filme estreou poucos meses após sua morte -, “Dr, Parnassus” chega para consolidar o já saudoso talento do ator e alimentar o imaginário do público com sua última atuação.
Mas ao contrário do que muitos pensam, Ledger não é o único motivo ou a razão principal para que “Dr. Parnassus” mereça a atenção do público. O filme é uma soma de qualidades: direção de arte e figurino deslumbrantes (indicados ao Oscar), trilha sonora competente, edição e fotografia esmeradas, além de atuações irretocáveis de todo o elenco tornam-no imperdível.
O principal cenário do filme é o caminhão onde a trupe se apresenta. Nele, há um palco onde um espelho mágico permite a quem ultrapassá-lo embarcar em uma fantasiosa viagem ao tal mundo imaginário do título. Será através desta artimanha que o mago tentará convencer os incautos a distinguirem entre o bem e o mal – quem se deixar ser seduzido por Nick, não retornará ao mundo real.
O mundo apresentado do outro lado do espelho é a quase perfeita representação de um sonho, como se todas as coisas ocultas da mente tomassem forma e interagissem com o plano real. Escadas infinitas em direção ao céu, balões infláveis com expressões humanas, rios que se tornam serpentes, sonhos de consumo materializados… o deslumbre causado pela explosão de cores e formas surreais é tão intenso que torna-se quase impossível querer voltar ao mundo real – e isso vale tanto para os personagens quanto para os espectadores.
Envolvido com este processo de coleta/salvação de almas está Tony (Ledger), uma figura misteriosa e sem memória, que se junta à trupe de maneira inusitada (foi salvo de um possível suicídio) e acaba se envolvendo com Valentina, para desespero do apaixonado Anton (Andrew Garfield), uma espécie de faz-tudo da companhia teatral.
Tony é um personagem de fundamental importância na trama. Carrega uma irreverência contida, uma certa dubiedade moral e mantém segredos sobre sua real personalidade, tornando-se inevitavelmente o centro das atenções e motivo de mistério. Claro que o interesse pelo personagem reflete também a tragédia de sua materialização na tela.
Ledger veio a falecer antes de concluir suas filmagens, deixando Terry Gilliam com uma produção inacabada e possivelmente fadada ao limbo dos filmes nunca finalizados – seria o segundo do diretor, após o fiasco de “Dom Quixote”. Por um destes inacreditáveis golpes de sorte e criatividade, a saída encontrada para dar uma resolução ao impasse tornou-se uma das melhores qualidades do filme. Cada vez que Tony ultrapassa o espelho, um outro ator encarna o seu personagem (Jude Law, Johnny Depp e Colin Farrel). A inventiva reestruturação do roteiro trouxe um charme extra à fantasia, contribuindo ainda mais para o extenso leque de detalhes que o diretor lança mão em sua produção.
Ao final, com a sensação de melancolia que provavelmente abaterá boa parte do público, fica ainda mais difícil imaginar uma despedida mais bela a Ledger que a idealizada pelo diretor.

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